O presente estudo se desenvolve no âmbito da disciplina Cinema e Direito do Trabalho, tendo como escopo examinar criticamente o panorama apresentado pelo filme “O Diabo veste Prada”, notadamente em aspectos do Capitalismo contemporâneo, como a sociedade de consumo e o papel que desempenha o trabalhador nesse plano.
Marx realiza seus estudos partindo do sistema hegeliano e ao mesmo tempo o afrontando. “A concreção dialética está presente no pensamento hegeliano de modo a marcá-lo por meio do elemento histórico, pois, para Hegel, a realização do espírito se dá na história.” [Bittar2005]. Ou seja, a verificação das mudanças dialéticas na sociedade provocadas pela consciência do homem deve ser considerada em conjunto com o momento histórico em que acontecem. Marx acolhe o ponto de partida, porém, inserindo uma inversão fundamental na linha de pensamento:
Na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência. [Marx1982].
Portanto, o modo de produção social da vida, a estrutura econômica da sociedade produz uma ideologia que se traduz em formas de legitimação que serão a sua superestrutura de sustentação. No entanto, apesar de ainda atual em sua análise, Marx mirava a sociedade capitalista industrial, que era um capitalismo alicerçado na produção de bens. Esse sistema tem como requisitos: a propriedade privada, a possibilidade de acumulação ilimitada de capital, a divisão social em classes, a possibilidade de exploração do trabalho alheio que é transformado em lucro; um Estado que possui papel fundamental para a manutenção da superpopulação relativa e do exército industrial de reserva e para manter um poder público separado e acima da sociedade, visando impedir modificações bruscas e indesejadas.
De maneira um tanto antagônica a Marx, a ciência econômica, define o capitalismo como um sistema de organização econômica baseado na propriedade privada dos meios de produção, os bens de produção ou de capital, na divisão do trabalho e na utilização da moeda. Esta visão aparentemente neutra e científica é herdada dos pensadores liberais como Adam Smith e David Ricardo. Ao aplicar os preceitos clássicos e adaptá-los ao contexto histórico contemporâneo, uma vertente surgida nos Estados Unidos da América, na chamada Escola de Chicago, do professor Milton Friedman, ganhou a fama e a alcunha de neoliberal. Pregavam a prevalência da economia de mercado para aumentar a produtividade das empresas e a diminuição do Estado e de sua interferência para aumentar a eficiência das relações capitalistas.
É com esta visão neoliberal que o mundo globalizado se desenvolve aprofundando e consolidando a descrição do capitalismo relatada por Marx e fortalecendo e radicalizando a superestrutura ideológica que assiste à transformação da sociedade produtora em sociedade de consumidores.
Marx já apontava o fetichismo pela mercadoria, que lhe atribuía importância muito além do seu valor uso, somente por agregar algo misterioso, que nada mais era do que o trabalho social dos homens. Já a sociedade de consumo leva o fetichismo pela mercadoria a níveis excessivos. Se antes a ostentação dos bens, a exibição pública da riqueza dava ênfase à solidez e à durabilidade, agora o que se procura demonstrar é a facilidade na obtenção dos prazeres, da riqueza, da satisfação dos desejos.
Ocorre a mudança quando o consumo ocupa o lugar do trabalho em importância, tornando-se um atributo definidor da sociedade. A durabilidade é sinônimo de velho e defasado, a obsolescência programada dos bens é algo intrínseco exigindo uma vigorosa indústria de remoção de lixo.
Para Zygmunt Bauman, na sociedade de consumidores as pessoas somente se tornam sujeitos depois de virarem mercadoria. E, no mercado de trabalho:
...os produtos que são encorajadas a colocar no mercado, a promover e vender são elas mesmas. O teste em que precisam passar para obter os prêmios sociais que ambicionam exige que remodelem a si mesmos como mercadorias, ou seja, como produtos que são capazes de obter atenção e atrair demanda e fregueses. [Bauman2008]
Neste sentido, o filme “O Diabo veste Prada” é exemplar, pois todos os esforços giram em torno do consumo da moda de alto luxo, convertendo a protagonista, ela também, de trabalhadora em mercadoria de consumo da moda de alto luxo.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria/ tradução Carlos Alberto de Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2008.
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do direito. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 285.
LENIN, Vladimir. O Estado e a Revolução, 1918. Disponível em , acessado em 18 jun. 2012.
MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política, 1982. Disponível em , acesso em 16 jun. 2012.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. 22ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
RIZZIERI, Juarez Alexandre Baldini. Manual de Economia. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1996.