Os ideais
utópicos lançados por Karl Marx ainda no século XIX, e que se tornaram
fundamento e alicerce do próprio século seguinte, o século XX, são objetos de
questionamento por autores contemporâneos como Slavoj Žižek.
As
lutas pelos direitos da classe trabalhadora, as tomadas de poder, a guerra
fria, a perseguição aos revolucionários, a bipolaridade mundial, a reação
conservadora, todo esse contexto toma novo sentido a partir do final da década
de 1980 e a altamente simbólica queda do muro de Berlim.
Com
a derrocada dos regimes socialistas, assistimos uma nova configuração mundial.
Pudemos ver o assentamento dos países do leste europeu, ora pendendo para um
capitalismo liberal cru, ora realizando um movimento inverso [1], quase
saudoso, acabando por se firmar num equilíbrio tênue.
Nos
países que eram conhecidos como primeiro mundo, em oposição ao segundo mundo e ao
terceiro mundo, prosperou um aprofundamento do ideário liberal, e de suas
práticas, culminando no que conhecemos como capitalismo globalizado. Estamos
inseridos nessa lógica mundial sem fronteiras para a realização de todo o tipo
de operação, desde a simples exploração do trabalho em países com população
miserável à livre circulação do dinheiro por caminhos virtuais.
Parece
impossível conciliar o direito de propriedade, a possibilidade de acumulação
ilimitada de capital, a chamada igualdade formal (meramente perante a lei), o
papel atual do Estado, como mantenedor, em primeiro lugar, do sistema capitalista,
com as profundas desigualdades de fato que são geradas de maneira global por
esse sistema. Isso pode ser constatado no continente africano, em países
árabes, em grande parte da Ásia e América Latina no que tange a questões como o
mínimo de dignidade do ser humano e a manutenção de seu meio ambiente de forma
sustentável. Entretanto, a análise marxista nos diz que um é inevitavelmente
consequência do outro.
Neste
panorama, o papel que o Estado brasileiro tem desempenhado é discutível,
chegando a ser pernicioso, por vezes. Nos últimos anos, já passamos por um
momento de liberalismo econômico radical, rezando pela cartilha do Consenso de
Washington[2], e
agora, seguimos com essa mesma orientação, mas suavizada por um toque social
democrata, de maneira própria, com pitadas brasileiras.
Pretende-se
analisar e compreender o marxismo considerando sua contextualização a partir do
momento contemporâneo a fim de apreender conceitualmente os institutos em
estudo por uma perspectiva divergente da liberal-econômica dominante e sua
correspondente corrente doutrinária jurídica: o juspositivismo. Ressaltamos um
contraponto acerca das teorias marxistas, pois seu resultado concreto foi o
assim chamado socialismo real, que, notadamente, fracassou em perdurar como
opção ao capitalismo liberal: seria, então, o comunismo a verdadeira alternativa
antagônica ao sistema capitalista?
Em
pleno início do século XXI podemos ver a distância que nos separa de Karl Marx
e do ambiente social que deu origem às suas teorias. No que concerne à
exploração, dominação e luta de classes ainda nos avizinhamos, porém houve
grande evolução tecnológica, que influi diretamente no tipo de sociedade e
consequentemente, de direito que teremos se soubermos utilizar tais
instrumentos. O mundo globalizado é muito diferente, o pavimento é moderno, mas
os caminhos ainda são os mesmos. Se o direito é fruto do mercantilismo, se
ambos são algo único, as estruturas sociais dificilmente mudarão pelo caminho
jurídico e as tentativas realizadas por parte do judiciário tendem a obter
êxito em um pequeno campo da realidade concreta.
A
partir desse ferramental propedêutico, passaremos a analisar o Estado, em suas
diferentes conceituações, objetivos e sua capacidade de prover de maneira
eficaz os direitos fundamentais do ser humano.
A
análise do Estado passa por vários aspectos, como a política econômica, a
legislação social, a corrupção e desvio de verbas, entre muitos outros. No
entanto, neste trabalho, submeteremos à crítica apenas um de seus espaços
referenciais de atuação: o ativismo judicial.
Para
compreender o porquê da extrema ligação entre o Estado, o Direito e o sistema
Capitalista, analisaremos historicamente a formação do Estado moderno ocidental
e sua estruturação teórica, para com isso demonstrar o movimento realizado, a
justificação ideológica do modelo de governo e seu consequente direcionamento
em relação ao enfrentamento dos direitos fundamentais.
Devemos
verificar o que se entende por ativismo judicial, em quais situações ele tem se
tornado perceptível e factual para a sociedade como uma maneira de alterar a
realidade que é imposta pelo direito positivo, ou seja, como materializar os
direitos fundamentais e a dignidade do ser humano através de concepções
teóricas como o neoconstitucionalismo que traz a justificação do ativismo dos juízes.
Juristas
como Ronald Dworkin e Robert Alexy reintroduzem a moral que Kelsen e Hart
pretenderam expurgar. Não uma moral banal do senso comum, mas uma moralidade pertinente
juridicamente e sistematizada como ferramenta decisória sustentada na
relevância dos direitos fundamentais e nos respectivos princípios
constitucionais positivados, criando uma normatização de regras e princípios.
Por
outro lado, os juristas do direito positivo constitucional (em oposição aos
neoconstitucionalistas) procuram expedientes para cercear possíveis exageros
daquilo que consideram um abuso na aplicação dos princípios constitucionais. O
controle do judiciário pretende firmar a segurança jurídica como valor
primordial a ser resguardado e percorre a mesma Constituição para alicerçar sua
fundamentação.
No
Brasil, é a atuação do Supremo Tribunal Federal que tem se destacado com
paradigma de ativismo judicial, decidindo sobre temas nitidamente políticos
ante a incapacidade dos demais poderes em apresentar respostas à sociedade. A
doutrina procura balizar essa atuação considerada proativa com a teoria do
sopesamento de princípios, desde que obedecidos certos requisitos e limites
como a inexistência de direito positivado e o grau de importância para a
satisfação dos direitos fundamentais.
O resultado da tentativa de aplicação dos
princípios para conferir realidade aos direitos fundamentais na efetiva conduta
do Estado poderá originar uma situação de melhoria do funcionamento do sistema
capitalista no Brasil.
[1] Com a eleição de
representantes membros do antigo regime socialista.
[2] John Williamson criou a
expressão "Consenso de Washington", em 1990, originalmente para
significar: "o mínimo denominador comum de recomendações de políticas
econômicas que estavam sendo cogitadas pelas instituições financeiras baseadas
em Washington D.C. e que deveriam ser aplicadas nos países da América Latina,
tais como eram suas economias em 1989." Desde então a expressão
"Consenso de Washington" vem sendo usada para abrigar todo um elenco
de medidas e para justificar políticas neoliberais.