18 de maio de 2011, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo - USP. O aluno Felipe Ramos de Paiva é encontrado morto com um tiro na cabeça no estacionamento da faculdade.
27 de outubro de 2011, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Alunos entram em confronto com a Polícia Militar motivados pelo repúdio à ação da PM em deter três estudantes da Faculdade que fumavam maconha.
O trágico evento de 18 de maio foi o estopim para a comunidade acadêmica, unânime na percepção de falta de segurança no Campus do Butantã da USP, expor seu descontentamento com a situação. No entanto, a unanimidade acaba aí. A divergência de opiniões sobre a solução do problema é latente na USP e culminou nos eventos do dia 27 de outubro.
Para quem vê a USP de longe, a discussão sobre a presença da PM nos seus campi é novidade. Todavia, aqueles que frequentam a USP ou possuem algum vínculo que os ligam à Universidade sabem que o debate sobre o tema existe há muito tempo.
O campus do Butantã, cujo nome oficial é Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira, é, de fato, uma cidade. Segundo os dados do site da Prefeitura do Campus, são 4.173.644,00 m² de área, 60 km de vias, 14.000 vagas para automóveis, estimativa de circulação de 100.000 pessoas entre alunos, professores e visitantes e uma média semanal de cerca de 50 mil veículos. Há, ainda, linhas de ônibus municipais que passam pelo campus e circulares gratuitos da própria Universidade.
Apesar de ser uma cidade dentro da maior cidade da América do Sul, a Cidade Universitária é separada por muros, físicos e abstratos, da cidade de São Paulo. Sua distância atual do público em geral contempla os ideais isolacionistas do regime militar que afastou diversas unidades da USP da região central da capital do estado e as levou para a região na qual se encontram hoje.
Os frequentadores do campus que não se enquadram na classe dos docentes, discentes ou servidores são, em sua maioria, pessoas que utilizam as vias da Cidade Universitária para escapar do trânsito das avenidas que a circundam. Uma parcela muito pequena da comunidade paulista – que sustenta a USP com seus impostos – participa ativamente da vida universitária. Ainda assim, os números indicam um alto número de circulantes.
Alto, também, foi o crescimento dos crimes cometidos dentro do campus até o fatídico 18 de maio. Houve temporadas de estupro, furtos de carro, assaltos relâmpago.
Várias causas são apontadas pela comunidade acadêmica e por transeuntes: iluminação precária, vias desertas, guarda universitária sem preparo, espaços com muita vegetação e, finalmente, a impossibilidade da PM de entrar nos campi da Universidade de São Paulo.
Apesar de ilhada, a Cidade Universitária abriga pessoas que habitam o mundo de fora e, portanto, com uma mentalidade que está em sintonia com os problemas e as dificuldades dos nossos tempos.
A insegurança coletiva que nos faz fugir para condomínios com alarmes, cercas, muros, seguranças, armas de fogo também habita a mente de quem vive na USP.
Os olhos que não veem em seu dono um dos culpados pela desigualdade social que o cerca são incapazes de ver a relação entre essa desigualdade e o clima de insegurança. Enquanto formos míopes em relação aos conflitos sociais, encontraremos na opressão feita pelo braço armado do Estado a única solução para os nossos problemas. Nesse sentido, houve ampla manifestação a favor da presença da polícia no campus e o pedido foi atendido pelo reitor.
O fetichismo pela polícia é preocupante, principalmente quando ela é, regularmente, alvo de críticas que dizem respeito à ilegalidade e desproporcionalidade de suas condutas. Contudo, também deve preocupar a cultura do é proibido proibir levada a extremos.
O grito pela autonomia da Universidade é justo e válido como uma das posições no debate sobre função que a Universidade tem – ou deveria ter – na sociedade na qual se insere.
Porém, esse grito pelo Território Livre de manifestação e intercâmbio de ideias não pode ser nunca confundido e absorvido pelo grito pela impunidade e diferenciação de uma classe. A desobediência civil de leis das quais há discordância é uma manifestação louvável em tempos de ditadura e discutível em momentos de democracia, ainda que muitas vezes a nossa democracia seja apenas formal.
O ato de fumar maconha escondido e protegido pelos muros de uma Universidade não pode e nem deve ser tratado como ato de protesto por aqueles que se autorreivindicam como a vanguarda intelectual. Que protesto é esse que ocorre dentro de carros e em salas fechadas de Centros Acadêmicos e não na frente das autoridades que deveriam ser provocadas? Não é manifestação nenhuma, é mero uso. É a apropriação de um meio legítimo – o protesto – por interesses privados.
Há que se levar em consideração, ainda, a motivação de alguns grupos que se organizam em protesto à presença da polícia dentro do campus. São grupos que representam uma esquerda datada e se organizam de forma viciada. São financiados por partidos políticos e sindicatos e, em contra partida, defendem as diretrizes e bandeiras empunhadas por eles. Eles decidem tópicos que decidem os rumos do movimento estudantil em assembleias burocráticas, intermináveis e com a representatividade contestada pela maioria dos estudantes da USP.
Os números atuais mostram que o convênio firmado entre a PM e a USP surtiu efeito. A simples presença da PM reduziu 90% dos casos de furtos de carro, 66% dos casos de roubo em geral e 92% dos roubos de veículo. Os casos de sequestro relâmpago caíram 87% e de lesão corporal sofreram redução de 78%.
É evidente que o convênio da reitoria com a polícia mostrou-se uma medida eficaz contra muitos problemas de segurança. Contudo, a polícia mostrou-se truculenta e autoritária em algumas ações, na opinião de frequentadores do campus.
A Universidade deve ser o centro de ebulição das discussões críticas a respeito de tudo na sociedade. É com a crítica de verdades absolutas que a humanidade caminha e evolui, tanto no campo das ciências humanas como no campo das ciências exatas. As duas avançam juntas com a superação daquilo que está posto no pedestal da verdade absoluta.
A contraposição entre a suposta utilidade das ciências exatas e a suposta inutilidade das ciências humanas é falaciosa e só alimenta o sectarismo e isolamento das unidades da Universidade.
Se é nas unidades ligadas às exatas que há o apelo por soluções pragmáticas e nas unidades das humanas que há a contestação de paradigmas, elas apenas estão buscando soluções que se assemelham aos pressupostos de sua fundação. Estão fazendo a sua função dentro do ambiente da universidade e devem completar-se e não se destruir.
O que não pode acontecer é os extremos dessa história serem privilegiados, enquanto a maioria da comunidade é esmagada. A contestação das humanas não deve ser inconsequente, nem o pragmatismo das exatas deve ser hipócrita.
Os dois mitos que são encontrados nos lados opostos desse embate devem ser alvos daqueles que queiram apresentar um censo crítico mais apurado.
Texto de Lucas Verzola