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Dogma da completude, sobre o (II)

A definição de "verdade" é muito complexa. É a separação entre “o mundo das aparências” e “o mundo das ideias”. Aquela, apresentando a mentira, o fugaz, o inconstante; e esta, apresentando a verdade, a essência, o permanente. De Parmênides a Platão (e Cristianismo, entre outros) são várias as correntes de pensamento que se utilizam da dualidade da existência. O “mundo das ideias” (ou o céu) se adéqua à necessidade de haver um parâmetro para o comportamento humano ideal e desejado (tanto para controle social, como para todos os outros tipos de dominação sobre outrem).
Em contrapartida, Nietzsche discorda da existência de uma "verdade filosófica". Diz que é invenção de filósofos que desejam impor os seus valores (e, ao mesmo tempo, valores de certa parcela da população - que pode ser chamada de elite, aristocracia, classe dominante, etc.). Para ele, o único plano de existência verdadeiro é este, o concreto que se pode tocar, sentir, cheirar, sangrar, ouvir; ou seja, o plano que foi denominado de "mundo das aparências".
Com o avanço da Neurociência, podemos até acrescentar a Nietzsche, pois este mundo em que vivemos é a interpretação que nosso cérebro dá às informações recebidas pelos seus sensores (filtradas pelo tato, pela audição, pela visão...). Ele é tão real quanto os nossos sentidos podem captar e o cérebro pode interpretar. Havendo mudanças nesse processo de captar e interpretar, o mundo muda, a realidade se torna outra (como numa paranoia ou num devaneio, por exemplo), ainda assim, completamente (aparentemente) real.
Há ainda, coisas internas às pessoas, como os sentimentos, que produzem efeitos no mundo externo. Pode-se discutir se tais sentimentos não são somente reações bioquímicas no organismo. Porém, os pensamentos, que podem ser influenciados pelas reações químicas, não parecem ser totalmente determinados fisiologicamente. Há coisas num plano invisível e impalpável das quais tomamos conhecimento pelos seus reflexos no mundo exterior - no plano da realidade ou “mundo das aparências”. (Há inúmeras outras “coisas” invisíveis do ponto de vista da física, por exemplo, que influenciam a realidade que vemos – mas não é disso que se trata aqui).
Sendo tão complexa a definição do que é “verdade”, contenta-se com o plano da realidade e dos fatos, do “mundo das aparências”, para definir o que se leva ou não em consideração para o Direito.
O comportamento de uma pessoa pode ser completamente “imoral” na esfera pública e altamente digno na esfera privada, e vice-versa. O pior corrupto pode tentar se passar por um beato perante a sua família. O mais infecto dos seres alega que, “por dentro”, é asséptico. Tal hipocrisia pouco importa ao Direito, pois a “realidade objetiva” e as suas intenções dedutíveis por esta mesma “realidade objetiva” é que classificarão sua conduta.
Mesmo as ações que não estão regradas por lei (em sentido amplo) estão classificadas no ordenamento jurídico. É o art. 5 º, inciso II, da C. F. que representa o “dogma da completude” do sistema jurídico estatista - é a norma geral exclusiva, que exclui da regulamentação todos os demais comportamentos.
“Todos podem fazer o que a lei não proíbe” é a norma pressuposta da regra do inciso II (ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei). Essa definição da norma pressuposta é incompleta (mas necessária), pois num sistema positivista de direito, a regra só é válida se emanada por autoridade competente que está também autorizada a aplicar a sanção. Dessa forma, a norma pressuposta seria mais bem definida por: “todos podem fazer tudo o que a autoridade competente não conseguir coibir, fiscalizar, sancionar (etc.)”.
O dogma da completude, ou seja, o princípio de que o ordenamento jurídico seja completo para fornecer ao juiz uma solução para cada caso sem recorrer à equidade, foi dominante, e em parte o é até hoje, na teoria jurídica continental de origem romanística. É considerado por alguns como um dos aspectos salientes do positivismo jurídico. (BOBBIO, 2008, p. 263).
O raciocínio seguido por esses autores pode ser resumido da seguinte maneira: uma norma que regula um comportamento não só limita a regulamentação e, portanto, as consequências jurídicas que decorrem dessa regulamentação àquele comportamento, mas ao mesmo tempo exclui dessa regulamentação todos os outros comportamentos. […] Todos os comportamentos não compreendidos na norma particular são regulados por uma “norma geral exclusiva”, ou seja, pela regra que exclui (por isso é exclusiva) todos os comportamentos (por isso é geral) que não fazem parte daquele previsto pela norma particular. (BOBBIO, 2008, p. 275).
BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito; tradução Denise agostinetti; revisão da tradução Silvana Cobucci Leite – 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
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