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Unidade na Pluralidade

Estudos

1 A ANÁLISE MATERIALISTA



     No Brasil e no mundo, a estrutura econômica predominante é o capitalismo globalizado, e a melhor análise desse sistema foi produzida por Karl Marx, que previu os problemas e os comportamentos do capitalismo diante de crises. É principalmente devido ao caráter crítico totalizante da análise materialista, que consideramos melhor perspectiva para apreciar o Estado brasileiro. 

      Elucidaremos alguns pontos dessa teoria para justificar o porquê de escolhermos esse enfoque neste exame: 

     Os estudos de Marx realizaram-se em meio ao desenvolvimento capitaneado pela Inglaterra, fruto da Revolução Industrial e de uma política econômica liberal, cujo maior teórico era Adam Smith . O mercado seria a “mão invisível” que harmonizaria os conflitos de interesses dos agentes econômicos. Na realidade, os trabalhadores se viram obrigados a cumprirem jornadas extremamente longas em condições de trabalho deploráveis, além da falta de proteção ao trabalho da mulher e da criança, entre outras inúmeras situações degradantes. Esse Capitalismo violento perdurou por muito tempo, atenuando-se pelas lutas travadas pelos trabalhadores, também inspirados pelos ideais marxistas. 

     Marx escreve sua obra monumental, o Capital, examinando e teorizando sobre vários aspectos do Capitalismo, apresentando conceitos que descrevem com fidelidade o seu funcionamento: a mais-valia, o exército industrial de reserva, as crises de superprodução, o papel do Estado como peça imprescindível na manutenção do sistema capitalista. Em outras palavras, na busca pelo lucro, o capitalista se apropria do valor agregado a uma matéria prima que se origina em razão do trabalho realizado por seu subordinado. Em escala industrial esse ganho pode ser multiplicado por dezenas, centenas de trabalhadores, consagrando um acúmulo de capital desproporcional ao suor do capitalista. É um ganho de capital devido ao capital, processo que se aprofunda em tempos de dinheiro virtual e capitalismo global especulativo. A necessidade de mão de obra é satisfeita não pelo capitalista, mas pela sociedade com auxílio do Estado, que deve zelar pelo funcionamento do sistema, cuidando da capacidade de trabalho dos indivíduos ao prover o mínimo de saúde e impelir o capital a conceder o mínimo de direitos trabalhistas. Esse mesmo exército de trabalhadores será o outro lado da moeda de si mesmos: o mercado de consumo, que segue num ciclo aparentemente infinito. Contudo, Marx previu que o sistema não se conduziria com tanta tranquilidade quanto pensavam os teóricos liberais. Nesse sistema, as crises seriam cíclicas, basicamente de superprodução. No momento em que o lucro é grande, há matéria prima à vontade e as indústrias produzem em plena capacidade, o sistema já está em crise, apesar de não visível. Os momentos de excesso de produção ou de especulação demonstram o descontrole dos capitalistas que seguindo o seu papel no sistema, perseguem a satisfação de seus próprios interesses, ou seja, a acumulação ilimitada que resulta num excesso de oferta em relação ao mercado de consumo. Nesse cenário, os preços caem, as ações perdem seu valor, as bolsas quebram, os bancos não conseguem reaver seus empréstimos e a solução já está pronta: a atuação estatal. Há vários exemplos de como o Estado socorre o capitalismo, e, no mais recente, o presidente dos EUA liberou bilhões de dólares para que o “sistema não ruísse”. Este é um dos papéis primordiais do Estado no capitalismo: manter o sistema. Para socorrer o sistema bancário, bilhões são disponibilizados num estalar de dedos, e, de maneira diversa, para satisfação dos direitos fundamentais há restrições e limitações como a reserva do possível. 

      Graças a sua obra, Marx é referência num estudo crítico ao modo de vida cingido pela doutrina liberal. E essa é a justificativa principal do método escolhido para contemplar o Estado do ponto de vista materialista. 

      Apesar de sua importância, os teóricos liberais costumam desqualificar a teoria marxista, principalmente os que navegam na corrente que é considerada oposta, como quando Karl Popper (1936) afirma que o marxismo é “não científico”, porque não é passível de contestação 4. Por ter maior relevância, tomamos algumas críticas realizadas por pensadores que não são exatamente antimarxistas, com o fim de pontuar determinadas questões. Indaga-se o fato de o marxismo ter se erigido já em meio a um contexto capitalista estável, consolidado. Será que, devido a isso, o ideal comunista de mundo, sem governo, sem propriedade privada, sem Estado burguês, sem a exploração do trabalho, entre outras características, não seria um reflexo (uma fantasia) das aspirações capitalistas (Žižek, 2013)? Norberto Bobbio (1997) ao analisar o assunto chega à conclusão de que em apenas dois momentos da história do homem os valores de Igualdade e Liberdade foram equivalentes: no começo dos tempos, num pretenso estado de natureza, no qual não há supremacia de um sobre o outro, pois as condições se equivalem numa luta de todos contra todos, anterior a qualquer tipo de sociedade, exploração ou dominação, precedendo até mesmo o conceito de propriedade privada; e num futuro distante, que podemos colorir com as obras de ficção científica de Hollywood 5, que profetizam um momento em que a acumulação de capital não fará mais sentido e a igualdade se alcançará pelo estado avançadíssimo do que foi, um dia, o capitalismo. Talvez, realmente, a utopia comunista seja o ponto a se repensar da teoria marxista.

      Esse momento de total igualdade referida por Bobbio, o “estado de natureza” foi um artifício utilizado por Hobbes, Rousseau e Locke, entre outros, para justificar o governo estabelecido ou que se pretendia estabelecer. Presumia um espaço de tempo em que os homens estavam livres e independentes de qualquer força organizada que os subjugasse, e, por isso mesmo, consideravam-se iguais ou mais iguais, para disputar entre si os recursos naturais, os espaços e a condução da vida. Para aperfeiçoar as suas condições de vida, ao juntar seus esforços, os homens unem seus interesses através do contrato social e se submetem a um poder superior. Ou seja, esse estado de natureza se iguala à ficção, pois a realidade era uma situação de submissão das pessoas pelo governo, que não tem como principal interesse o bem comum. Foi uma situação em que a “lei e a sociedade civil se impõem ao povo por um ato de violência cujo agente não é motivado por considerações morais” (Žižek, 2012, p. 45). 

      Diferentemente desses contratualistas e dos teóricos liberais, Marx fundamenta sua teoria com base em uma análise histórica que tem como ponto focal a subida ao poder da burguesia e o seu sistema econômico inerente, descerrando o retrato da história como a história da luta de classes. 

      Mas antes de chegar a essa compreensão de mundo, Marx iniciou seus estudos pelo Direito e pela filosofia, contando com o trabalho de Hegel como um dos alicerces para suas análises, pois este insere uma base concreta em sua teorização, que ainda é essencialmente idealista. A partir da dialética idealista, que traz uma visão filosófica de um conflito, mas trata também de um conflito real, Marx buscará o movimento histórico para traçar uma base materialista da dialética. Devido a influência no trabalho de Marx, veremos como atua a dialética hegeliana. Perceberemos também que a dialética não pode ser considerada isoladamente das demais teorizações de Hegel, pois, boa parte de seu raciocínio pode dar suporte a uma nova maneira de ver os rumos do mundo por olhos marxistas. 

    3 A Riqueza das Nações foi uma das obras mais influentes no mundo ocidental, e é, basicamente, a linha guia das políticas econômicas liberais até hoje. 
     4 Porque Marx dizia que as críticas ao comunismo feitas pelos burgueses são explicáveis pelo fato de que quem as faz é burguês. 
      5 Como na série Jornada nas Estrelas ou no filme Wall-e.
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INTRODUÇÃO

Os ideais utópicos lançados por Karl Marx ainda no século XIX, e que se tornaram fundamento e alicerce do próprio século seguinte, o século XX, são objetos de questionamento por autores contemporâneos como Slavoj Žižek.

As lutas pelos direitos da classe trabalhadora, as tomadas de poder, a guerra fria, a perseguição aos revolucionários, a bipolaridade mundial, a reação conservadora, todo esse contexto toma novo sentido a partir do final da década de 1980 e a altamente simbólica queda do muro de Berlim.

Com a derrocada dos regimes socialistas, assistimos uma nova configuração mundial. Pudemos ver o assentamento dos países do leste europeu, ora pendendo para um capitalismo liberal cru, ora realizando um movimento inverso [1], quase saudoso, acabando por se firmar num equilíbrio tênue.

Nos países que eram conhecidos como primeiro mundo, em oposição ao segundo mundo e ao terceiro mundo, prosperou um aprofundamento do ideário liberal, e de suas práticas, culminando no que conhecemos como capitalismo globalizado. Estamos inseridos nessa lógica mundial sem fronteiras para a realização de todo o tipo de operação, desde a simples exploração do trabalho em países com população miserável à livre circulação do dinheiro por caminhos virtuais.

Parece impossível conciliar o direito de propriedade, a possibilidade de acumulação ilimitada de capital, a chamada igualdade formal (meramente perante a lei), o papel atual do Estado, como mantenedor, em primeiro lugar, do sistema capitalista, com as profundas desigualdades de fato que são geradas de maneira global por esse sistema. Isso pode ser constatado no continente africano, em países árabes, em grande parte da Ásia e América Latina no que tange a questões como o mínimo de dignidade do ser humano e a manutenção de seu meio ambiente de forma sustentável. Entretanto, a análise marxista nos diz que um é inevitavelmente consequência do outro.

Neste panorama, o papel que o Estado brasileiro tem desempenhado é discutível, chegando a ser pernicioso, por vezes. Nos últimos anos, já passamos por um momento de liberalismo econômico radical, rezando pela cartilha do Consenso de Washington[2], e agora, seguimos com essa mesma orientação, mas suavizada por um toque social democrata, de maneira própria, com pitadas brasileiras.

Pretende-se analisar e compreender o marxismo considerando sua contextualização a partir do momento contemporâneo a fim de apreender conceitualmente os institutos em estudo por uma perspectiva divergente da liberal-econômica dominante e sua correspondente corrente doutrinária jurídica: o juspositivismo. Ressaltamos um contraponto acerca das teorias marxistas, pois seu resultado concreto foi o assim chamado socialismo real, que, notadamente, fracassou em perdurar como opção ao capitalismo liberal: seria, então, o comunismo a verdadeira alternativa antagônica ao sistema capitalista?

Em pleno início do século XXI podemos ver a distância que nos separa de Karl Marx e do ambiente social que deu origem às suas teorias. No que concerne à exploração, dominação e luta de classes ainda nos avizinhamos, porém houve grande evolução tecnológica, que influi diretamente no tipo de sociedade e consequentemente, de direito que teremos se soubermos utilizar tais instrumentos. O mundo globalizado é muito diferente, o pavimento é moderno, mas os caminhos ainda são os mesmos. Se o direito é fruto do mercantilismo, se ambos são algo único, as estruturas sociais dificilmente mudarão pelo caminho jurídico e as tentativas realizadas por parte do judiciário tendem a obter êxito em um pequeno campo da realidade concreta.

A partir desse ferramental propedêutico, passaremos a analisar o Estado, em suas diferentes conceituações, objetivos e sua capacidade de prover de maneira eficaz os direitos fundamentais do ser humano.

A análise do Estado passa por vários aspectos, como a política econômica, a legislação social, a corrupção e desvio de verbas, entre muitos outros. No entanto, neste trabalho, submeteremos à crítica apenas um de seus espaços referenciais de atuação: o ativismo judicial.

Para compreender o porquê da extrema ligação entre o Estado, o Direito e o sistema Capitalista, analisaremos historicamente a formação do Estado moderno ocidental e sua estruturação teórica, para com isso demonstrar o movimento realizado, a justificação ideológica do modelo de governo e seu consequente direcionamento em relação ao enfrentamento dos direitos fundamentais.

Devemos verificar o que se entende por ativismo judicial, em quais situações ele tem se tornado perceptível e factual para a sociedade como uma maneira de alterar a realidade que é imposta pelo direito positivo, ou seja, como materializar os direitos fundamentais e a dignidade do ser humano através de concepções teóricas como o neoconstitucionalismo que traz a justificação do ativismo dos juízes.

Juristas como Ronald Dworkin e Robert Alexy reintroduzem a moral que Kelsen e Hart pretenderam expurgar. Não uma moral banal do senso comum, mas uma moralidade pertinente juridicamente e sistematizada como ferramenta decisória sustentada na relevância dos direitos fundamentais e nos respectivos princípios constitucionais positivados, criando uma normatização de regras e princípios.

Por outro lado, os juristas do direito positivo constitucional (em oposição aos neoconstitucionalistas) procuram expedientes para cercear possíveis exageros daquilo que consideram um abuso na aplicação dos princípios constitucionais. O controle do judiciário pretende firmar a segurança jurídica como valor primordial a ser resguardado e percorre a mesma Constituição para alicerçar sua fundamentação.

No Brasil, é a atuação do Supremo Tribunal Federal que tem se destacado com paradigma de ativismo judicial, decidindo sobre temas nitidamente políticos ante a incapacidade dos demais poderes em apresentar respostas à sociedade. A doutrina procura balizar essa atuação considerada proativa com a teoria do sopesamento de princípios, desde que obedecidos certos requisitos e limites como a inexistência de direito positivado e o grau de importância para a satisfação dos direitos fundamentais.

 O resultado da tentativa de aplicação dos princípios para conferir realidade aos direitos fundamentais na efetiva conduta do Estado poderá originar uma situação de melhoria do funcionamento do sistema capitalista no Brasil.




[1] Com a eleição de representantes membros do antigo regime socialista.
[2] John Williamson criou a expressão "Consenso de Washington", em 1990, originalmente para significar: "o mínimo denominador comum de recomendações de políticas econômicas que estavam sendo cogitadas pelas instituições financeiras baseadas em Washington D.C. e que deveriam ser aplicadas nos países da América Latina, tais como eram suas economias em 1989." Desde então a expressão "Consenso de Washington" vem sendo usada para abrigar todo um elenco de medidas e para justificar políticas neoliberais.
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Livre iniciativa na Constituição Federal e Jurisprudência


A Constituição Federal trata da livre iniciativa em diversos dispositivos, iniciando o assunto já em seu artigo 1º, inciso IV, trazendo lado a lado os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, que novamente são mencionados conjuntamente no art. 170:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

            Portanto, podemos interpretar que a Constituição brasileira considera fundamental a livre iniciativa, porém, inserida num contexto de dignidade humana e justiça social traduzidas na valorização do trabalho ao observar os princípios elencados no art. 170.
            A todos é garantido o exercício empresarial de acordo com os ditames do sistema capitalista liberal democrático, sem que isso signifique liberdade de mercado total, pois ao Estado são resguardadas as situações em que se deve intervir nos casos em que um sopesamento de princípios indique um desequilíbrio indesejável ou porque em certos casos assim deseja a orientação política predominante naquele momento.
           
Como exemplo de sopesamento que envolve vários fatores políticos, mas baseia-se principalmente na tentativa de se assegurar existência digna para os cidadãos através do acesso facilitado ao ensino superior:

“Em conclusão, o Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, pelo Partido Democratas e pela Federação Nacional dos Auditores-Fiscais da Previdência Social contra a MP 213/2004, convertida na Lei 11.096/2005, que instituiu o Programa Universidade para Todos (PROUNI), regulou a atuação de entidades de assistência social no ensino superior, e deu outras providências – v. Informativo 500. O programa instituído pela norma adversada concedera bolsas de estudos em universidades privadas a alunos que cursaram o ensino médio completo em escolas públicas ou em particulares, como bolsistas integrais, cuja renda familiar fosse de pequena monta, com quotas para negros, pardos, indígenas e àqueles com necessidades especiais. (...) Esgrimiu-se, ademais, a assertiva de ofensa ao princípio da livre iniciativa (CF, art. 170), ao fundamento de que este postulado já nasceria relativizado pela própria Constituição. Isso porque a liberdade de iniciativa estaria sujeita aos limites impostos pela atividade normativa e reguladora do Estado, justificados pelo objetivo maior de proteção de valores também garantidos pela ordem constitucional e reconhecidos pela sociedade como relevantes para uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. (ADI 3.330, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 3-5-2012, Plenário, Informativo 664.)

            É uma limitação à livre iniciativa e à livre concorrência e uma interferência direta do Estado no mercado da educação. Considerou-se que a formação em nível superior por instituições de ensino privadas é atividade econômica em sentido amplo, uma prestação de serviço público, pois a educação é direito social e o incentivo estatal está em consonância como os objetivos estruturantes da Constituição.
           
Novamente, a existência digna conformada pela valorização do trabalho limita as pretensões do “lassez faire” em uma decisão do Supremo Tribunal Federal:

“A lei questionada não viola o princípio do pleno emprego. Ao contrário, a instituição do piso salarial regional visa, exatamente, reduzir as desigualdades sociais, conferindo proteção aos trabalhadores e assegurando a eles melhores condições salariais.” (ADI 4.364, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 2-3-2011, Plenário, DJE de 16-5-2011.)

            De maneira quase inacreditável, houve questionamento em relação ao salário mínimo regional em confronto com o princípio do pleno emprego.
            Inicialmente deve-se apontar que na teoria liberal, o desemprego é indispensável ao funcionamento do mercado de trabalho. É o chamado desemprego estrutural que se refere basicamente às pessoas que se recusam a prestar seus serviços pelo preço que é oferecido, ou seja, estão na transição entre ocupações, normalmente por vontade própria. Portanto, o pleno emprego não significa, nem na teoria (neo)liberal, que todas as pessoas estarão empregadas simultaneamente. Ao confrontar esse princípio com o instituto do salário mínimo regional, que, pelo seu próprio nome já indica tratar de valores ínfimos, pode-se imaginar que a gana do capitalista realmente necessita da intervenção do Estado para que se concretize a sua própria sobrevivência, pois, ao que parece, aquele ignora o conceito de mercado consumidor. Se os trabalhadores não possuírem uma renda que lhes permita viver com o mínimo de dignidade, como será então que poderão participar da cadeia de consumo? Já há muito se chegou à conclusão de que o Estado deve garantir a sobrevivência do sistema capitalista, e neste caso, indo de encontro às pretensões daqueles que contrariam os seus próprios interesses.

            O caso da “meia-entrada” para estudantes demonstra que a persecução de um país socialmente justo é justificativa para outra intervenção frente ao princípio da livre iniciativa:

"É certo que a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus arts. 1º, 3º e 170. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da ‘iniciativa do Estado’; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto (arts. 23, V, 205, 208, 215 e 217, § 3º, da Constituição). Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer são meios de complementar a formação dos estudantes." (ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-11-2005, Plenário, DJ de 2-6-2006.) No mesmo sentido: ADI 3.512, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 23-6-2006.

O ministro menciona diretrizes e programas constitucionais que em sua grande maioria são chamados normas de eficácia limitada definidoras de princípios programáticos, isto é, a sua aplicabilidade não é imediata, podendo, na prática, o Estado escolher em qual momento elas serão utilizadas. Possivelmente em uma situação de crise econômica, a lei não teria sido editada, mas já que o foi, o Ministro traz à tona e se vale das normas programáticas para ponderar sobre a limitação à livre iniciativa deixando esta vencida, beneficiando o que ele considera o interesse da coletividade.

            As próximas ementas dizem respeito à limitação da livre iniciativa pelos princípios da defesa do consumidor e da livre concorrência:

 “Farmácia. Fixação de horário de funcionamento. Assunto de interesse local. A fixação de horário de funcionamento para o comércio dentro da área municipal pode ser feita por lei local, visando o interesse do consumidor e evitando a dominação do mercado por oligopólio.” (RE 189.170, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 1º-2-2001, Plenário, DJ de 8-8-2003.) No mesmo sentido: AI 729.307-ED, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 27-10-2009, Primeira Turma, DJE de 4-12-2009; RE 321.796-AgR, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 8-10-2002, Primeira Turma, DJ de 29-11-2002; RE 237.965-AgR, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 10-2-2000, Plenário, DJ de 31-3-2000.

"O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo o capítulo constitucional da atividade econômica. Afastam-se as normas especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor." (RE 351.750, Rel. p/ o ac. Min. Ayres Britto, julgamento em 17-3-2009, Primeira  Turma, DJE de 25-9-2009). Vide: RE 575.803-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 1º-12-2009, Segunda Turma, DJE de 18-12-2009.

"O princípio da livre iniciativa não pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor." (RE 349.686, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 14-6-2005, Segunda Turma, DJ de 5-8-2005.) No mesmo sentido: AI 636.883-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 8-2-2011, Primeira Turma, DJE de 1º-3-2011.

            As regras de defesa do consumidor hipossuficiente mostram prevalência em relação ao princípio geral da livre iniciativa empresarial. Não é de se estranhar que a defesa da livre concorrência esteja em consonância com a defesa do consumidor, pois quanto mais opções houver, maior será o proveito para o consumidor (até certo ponto, pois há situações em que o progresso técnico e qualitativo surge quando o mercado está favorável a poucos fornecedores).
           
            De maneira geral, o princípio da livre iniciativa quando tomado literalmente nos moldes de um neoliberalismo vulgar, quase do senso comum, torna-se uma condição que leva à tendência de sua própria ruína. Para evitar que isso ocorra, há o Estado, que em um de seus papéis fundamentais deve agir para manutenção e, quando possível, melhoria do sistema capitalista. Há muito tempo essa necessidade foi identificada e ratificada por pensadores como Smith, Keynes e Marx. No entanto, o capitalista do senso comum não costuma ser capaz de enxergar, e talvez nem lhe interesse saber, que o sistema não se beneficia quando apenas um agente se enriquece. Quando há a total liberdade dos agentes econômicos, há a tendência cíclica às crises de superprodução e de falta de mercado consumidor, levando à socialização das perdas entre todos os cidadãos. É papel do Estado impedir que isso aconteça, realizando uma política de controle e intervenção a longo prazo, pois, de acordo com a Constituição, é interesse de toda a sociedade o funcionamento estável da economia com o propósito de se assegurar a existência digna atender os ditames da justiça social.

STF
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Introdução - análise do filme "o Diabo veste Prada"

  O presente estudo se desenvolve no âmbito da disciplina Cinema e Direito do Trabalho, tendo como escopo examinar criticamente o panorama apresentado pelo filme “O Diabo veste Prada”, notadamente em aspectos do Capitalismo contemporâneo, como a sociedade de consumo e o papel que desempenha o trabalhador nesse plano. 

 Marx realiza seus estudos partindo do sistema hegeliano e ao mesmo tempo o afrontando. “A concreção dialética está presente no pensamento hegeliano de modo a marcá-lo por meio do elemento histórico, pois, para Hegel, a realização do espírito se dá na história.” [Bittar2005]. Ou seja, a verificação das mudanças dialéticas na sociedade provocadas pela consciência do homem deve ser considerada em conjunto com o momento histórico em que acontecem. Marx acolhe o ponto de partida, porém, inserindo uma inversão fundamental na linha de pensamento:

 Na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência. [Marx1982].

 Portanto, o modo de produção social da vida, a estrutura econômica da sociedade produz uma ideologia que se traduz em formas de legitimação que serão a sua superestrutura de sustentação. No entanto, apesar de ainda atual em sua análise, Marx mirava a sociedade capitalista industrial, que era um capitalismo alicerçado na produção de bens. Esse sistema tem como requisitos: a propriedade privada, a possibilidade de acumulação ilimitada de capital, a divisão social em classes, a possibilidade de exploração do trabalho alheio que é transformado em lucro; um Estado que possui papel fundamental para a manutenção da superpopulação relativa e do exército industrial de reserva e para manter um poder público separado e acima da sociedade, visando impedir modificações bruscas e indesejadas.

 De maneira um tanto antagônica a Marx, a ciência econômica, define o capitalismo como um sistema de organização econômica baseado na propriedade privada dos meios de produção, os bens de produção ou de capital, na divisão do trabalho e na utilização da moeda. Esta visão aparentemente neutra e científica é herdada dos pensadores liberais como Adam Smith e David Ricardo. Ao aplicar os preceitos clássicos e adaptá-los ao contexto histórico contemporâneo, uma vertente surgida nos Estados Unidos da América, na chamada Escola de Chicago, do professor Milton Friedman, ganhou a fama e a alcunha de neoliberal. Pregavam a prevalência da economia de mercado para aumentar a produtividade das empresas e a diminuição do Estado e de sua interferência para aumentar a eficiência das relações capitalistas.

 É com esta visão neoliberal que o mundo globalizado se desenvolve aprofundando e consolidando a descrição do capitalismo relatada por Marx e fortalecendo e radicalizando a superestrutura ideológica que assiste à transformação da sociedade produtora em sociedade de consumidores.
 Marx já apontava o fetichismo pela mercadoria, que lhe atribuía importância muito além do seu valor uso, somente por agregar algo misterioso, que nada mais era do que o trabalho social dos homens. Já a sociedade de consumo leva o fetichismo pela mercadoria a níveis excessivos. Se antes a ostentação dos bens, a exibição pública da riqueza dava ênfase à solidez e à durabilidade, agora o que se procura demonstrar é a facilidade na obtenção dos prazeres, da riqueza, da satisfação dos desejos.

 Ocorre a mudança quando o consumo ocupa o lugar do trabalho em importância, tornando-se um atributo definidor da sociedade. A durabilidade é sinônimo de velho e defasado, a obsolescência programada dos bens é algo intrínseco exigindo uma vigorosa indústria de remoção de lixo.
 Para Zygmunt Bauman, na sociedade de consumidores as pessoas somente se tornam sujeitos depois de virarem mercadoria. E, no mercado de trabalho:

 ...os produtos que são encorajadas a colocar no mercado, a promover e vender são elas mesmas. O teste em que precisam passar para obter os prêmios sociais que ambicionam exige que remodelem a si mesmos como mercadorias, ou seja, como produtos que são capazes de obter atenção e atrair demanda e fregueses. [Bauman2008]

 Neste sentido, o filme “O Diabo veste Prada” é exemplar, pois todos os esforços giram em torno do consumo da moda de alto luxo, convertendo a protagonista, ela também, de trabalhadora em mercadoria de consumo da moda de alto luxo.


BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria/ tradução Carlos Alberto de Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2008.
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do direito. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 285.
LENIN, Vladimir. O Estado e a Revolução, 1918. Disponível em , acessado em 18 jun. 2012.
MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política, 1982. Disponível em , acesso em 16 jun. 2012.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. 22ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
RIZZIERI, Juarez Alexandre Baldini. Manual de Economia. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
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Popper e a Ciência nos Tribunais


É fato notório que cada vez mais a ciência tem entrado nos tribunais coma finalidade de auxiliar os juízes e jurados na formação de seu pensamento. Entretanto, para traçar as diretrizes de como esses laudos e pareceres devem ser abordados nos casos concretos, a Suprema Corte dos Estados Unidos utiliza a Rule 702. Testimony by Experts, que foi regulamentada no caso Daubert v. Merrell Dow Pharmaceuticals Inc, pelo qual se extraiu os padrões conhecidos como Daubert Standards, dentre os quais se encontra o Scientific knowledge, padrão que orienta que um determinado laudo deve necessariamente possuir uma metodologia científica.
 Os tribunais dos Estados Unidos consideram que um laudo técnico (expert testimony) será confiável se for genuinamente científico. O critério para decidir se a teoria que embasa o laudo é ou não genuinamente científica é a teoria da falsificabilidade de Popper.
 Segundo a professora de Direito e Filosofia da Universidade de Miami, Susan Haack, isso pode gerar problemas:

 Apparently equating the question of whether expert testimony is reliable with the question of whether it is genuinely scientific, taking for granted that there is some scientific “methodology” which, faithfully followed, guarantees reliable results, and casting about for a philosophy of science to fit this demanding bill, the Daubert Court settled on an unstable amalgam of Popper’s and Hempel’s very different approaches—neither of which, however, is suitable to the task at hand.

 Popper descreve sua filosofia da ciência como falsificacionismo em oposição ao verificacionismo dos Positivistas Lógicos, pois seu argumento chave é que pronunciamentos científicos nunca podem ser ditos como verdadeiros. Portanto, para serem científicas as teorias tem de ser suscetíveis ao erro, ou seja, devem admitir a capacidade de serem provadas como falsas. Portanto, uma teoria que ainda não foi refutada, a cada instancia negativa que passa, é corroborada, tornando-se mais aceitável.

 Quando Popper propõe sua demarcação, tem como foco às pseudociências, como o Marxismo ou a Psicanálise, que propunham uma explicação para tudo, impassíveis de erro. Sua intenção, pois, é que a falsificabilidade leve à distinção entre pseudociências que pretendem expor a verdade para tudo e teorias propriamente científicas capazes de serem provadas como falsas.

 O problema do uso desta teoria nos tribunais é a associação entre cientificidade e confiabilidade, como sugere Haack:

 …it is symptomatic of the serious misunderstanding of the place of the sciences within inquiry generally revealed by the Court’s equation of “scientific ”with “reliable”.

 O erro ocorre quando se interpreta a teoria de Popper confundindo o conceito de corroboração com o de confirmação.
 Não se deve assumir, que devido à teoria da falsificabilidade, quanto mais uma teoria científica resiste às instancias negativas, resistindo as refutações a ela propostas, mais esta será confirmada como verdadeira. 
Portanto, o fato de ser científico não quer dizer que um parecer técnico seja confiável, pois, segundo Popper, ser ciência não gera a garantia de ser verdade.

 Fontes: Trial and Error: The Supreme Court´s Philosophy of Science – Haack, Susan – American Journal of Public Health, Suplement 1, 2005,vol 95, No. S1.
 http://www.utcourts.gov
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Entre extremos de intolerância, a maioria dos estudantes é esmagada.



18 de maio de 2011, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo - USP. O aluno Felipe Ramos de Paiva é encontrado morto com um tiro na cabeça no estacionamento da faculdade.

27 de outubro de 2011, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Alunos entram em confronto com a Polícia Militar motivados pelo repúdio à ação da PM em deter três estudantes da Faculdade que fumavam maconha.
O trágico evento de 18 de maio foi o estopim para a comunidade acadêmica, unânime na percepção de falta de segurança no Campus do Butantã da USP, expor seu descontentamento com a situação. No entanto, a unanimidade acaba aí. A divergência de opiniões sobre a solução do problema é latente na USP e culminou nos eventos do dia 27 de outubro.

Para quem vê a USP de longe, a discussão sobre a presença da PM nos seus campi é novidade. Todavia, aqueles que frequentam a USP ou possuem algum vínculo que os ligam à Universidade sabem que o debate sobre o tema existe há muito tempo.

O campus do Butantã, cujo nome oficial é Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira, é, de fato, uma cidade. Segundo os dados do site da Prefeitura do Campus, são 4.173.644,00 m² de área, 60 km de vias, 14.000 vagas para automóveis, estimativa de circulação de 100.000 pessoas entre alunos, professores e visitantes e uma média semanal de cerca de 50 mil veículos. Há, ainda, linhas de ônibus municipais que passam pelo campus e circulares gratuitos da própria Universidade.

Apesar de ser uma cidade dentro da maior cidade da América do Sul, a Cidade Universitária é separada por muros, físicos e abstratos, da cidade de São Paulo. Sua distância atual do público em geral contempla os ideais isolacionistas do regime militar que afastou diversas unidades da USP da região central da capital do estado e as levou para a região na qual se encontram hoje.

Os frequentadores do campus que não se enquadram na classe dos docentes, discentes ou servidores são, em sua maioria, pessoas que utilizam as vias da Cidade Universitária para escapar do trânsito das avenidas que a circundam. Uma parcela muito pequena da comunidade paulista – que sustenta a USP com seus impostos – participa ativamente da vida universitária. Ainda assim, os números indicam um alto número de circulantes.

Alto, também, foi o crescimento dos crimes cometidos dentro do campus até o fatídico 18 de maio. Houve temporadas de estupro, furtos de carro, assaltos relâmpago.

Várias causas são apontadas pela comunidade acadêmica e por transeuntes: iluminação precária, vias desertas, guarda universitária sem preparo, espaços com muita vegetação e, finalmente, a impossibilidade da PM de entrar nos campi da Universidade de São Paulo.

Apesar de ilhada, a Cidade Universitária abriga pessoas que habitam o mundo de fora e, portanto, com uma mentalidade que está em sintonia com os problemas e as dificuldades dos nossos tempos.
A insegurança coletiva que nos faz fugir para condomínios com alarmes, cercas, muros, seguranças, armas de fogo também habita a mente de quem vive na USP.

Os olhos que não veem em seu dono um dos culpados pela desigualdade social que o cerca são incapazes de ver a relação entre essa desigualdade e o clima de insegurança. Enquanto formos míopes em relação aos conflitos sociais, encontraremos na opressão feita pelo braço armado do Estado a única solução para os nossos problemas. Nesse sentido, houve ampla manifestação a favor da presença da polícia no campus e o pedido foi atendido pelo reitor.

O fetichismo pela polícia é preocupante, principalmente quando ela é, regularmente, alvo de críticas que dizem respeito à ilegalidade e desproporcionalidade de suas condutas. Contudo, também deve preocupar a cultura do é proibido proibir levada a extremos.

O grito pela autonomia da Universidade é justo e válido como uma das posições no debate sobre função que a Universidade tem – ou deveria ter – na sociedade na qual se insere.

Porém, esse grito pelo Território Livre de manifestação e intercâmbio de ideias não pode ser nunca confundido e absorvido pelo grito pela impunidade e diferenciação de uma classe. A desobediência civil de leis das quais há discordância é uma manifestação louvável em tempos de ditadura e discutível em momentos de democracia, ainda que muitas vezes a nossa democracia seja apenas formal.

O ato de fumar maconha escondido e protegido pelos muros de uma Universidade não pode e nem deve ser tratado como ato de protesto por aqueles que se autorreivindicam como a vanguarda intelectual. Que protesto é esse que ocorre dentro de carros e em salas fechadas de Centros Acadêmicos e não na frente das autoridades que deveriam ser provocadas? Não é manifestação nenhuma, é mero uso. É a apropriação de um meio legítimo – o protesto – por interesses privados.

Há que se levar em consideração, ainda, a motivação de alguns grupos que se organizam em protesto à presença da polícia dentro do campus. São grupos que representam uma esquerda datada e se organizam de forma viciada. São financiados por partidos políticos e sindicatos e, em contra partida, defendem as diretrizes e bandeiras empunhadas por eles. Eles decidem tópicos que decidem os rumos do movimento estudantil em assembleias burocráticas, intermináveis e com a representatividade contestada pela maioria dos estudantes da USP.

Os números atuais mostram que o convênio firmado entre a PM e a USP surtiu efeito. A simples presença da PM reduziu 90% dos casos de furtos de carro, 66% dos casos de roubo em geral e 92% dos roubos de veículo. Os casos de sequestro relâmpago caíram 87% e de lesão corporal sofreram redução de 78%.

É evidente que o convênio da reitoria com a polícia mostrou-se uma medida eficaz contra muitos problemas de segurança. Contudo, a polícia mostrou-se truculenta e autoritária em algumas ações, na opinião de frequentadores do campus.

A Universidade deve ser o centro de ebulição das discussões críticas a respeito de tudo na sociedade. É com a crítica de verdades absolutas que a humanidade caminha e evolui, tanto no campo das ciências humanas como no campo das ciências exatas. As duas avançam juntas com a superação daquilo que está posto no pedestal da verdade absoluta.

A contraposição entre a suposta utilidade das ciências exatas e a suposta inutilidade das ciências humanas é falaciosa e só alimenta o sectarismo e isolamento das unidades da Universidade.

Se é nas unidades ligadas às exatas que há o apelo por soluções pragmáticas e nas unidades das humanas que há a contestação de paradigmas, elas apenas estão buscando soluções que se assemelham aos pressupostos de sua fundação. Estão fazendo a sua função dentro do ambiente da universidade e devem completar-se e não se destruir.

O que não pode acontecer é os extremos dessa história serem privilegiados, enquanto a maioria da comunidade é esmagada. A contestação das humanas não deve ser inconsequente, nem o pragmatismo das exatas deve ser hipócrita.

Os dois mitos que são encontrados nos lados opostos desse embate devem ser alvos daqueles que queiram apresentar um censo crítico mais apurado.

Texto de Lucas Verzola
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Acesso à Justiça

resumo:

- Conceito teórico de acesso à justiça
Em benefício de quem funciona o sistema.
Deve ser igualmente acessível a todos.
Resultados individualmente e socialmente justos.
Acesso formal – igualdade formal – não efetivo.
O estudo era dogmático indiferente aos problemas reais.
Há o reconhecimento de novos direitos humanos: trabalho, educação, saúde, segurança e acesso à justiça.    Acesso à justiça é o mais básico dos direitos humanos para garantir os outros.
Neutralidade oculta a falta de igualdade entre as partes.
O processo deve servir à função social.
Há outros meios de solução de conflitos.

- Obstáculos à Justiça
A - Custas em Geral
1 - Custas judiciais 
Princípio da sucumbência
Honorários advocatícios
2 - Pequenas causas
Os custos podem exceder o montante da controvérsia.
3 - Prazo razoável
B - Possibilidade das partes
1 - Financeiro
2 - Aptidão para reconhecer um direito (falta de conhecimento).
C - Interesses difusos
Muitas pessoas sem interesse direto ou recursos.
Eliminar advogados para diminuir custos, possível diminuição de sucesso.

- Soluções práticas
A - Primeira onda- Assistência judiciária para os pobres 
1 -  Sistema Judicare – advogados particulares remunerados pelo Estado.
    Trata os pobres como indivíduos, não como classe.
2 - Escritórios de Vizinhança – advogados pagos pelo governo
Consciência de classe – negligência de interesses particulares – buscam maior eficiência dos dinheiro. Dependem do governo – pressão política.
3 - Modelos combinados
B - Segunda onda – Interesses difusos
Mudança de conceitos como citação e direito de ser ouvido.
1 - Ação governamental
MP - falta de qualificação técnica em áreas não jurídicas; advogado público.
2 - Advogado particular do interesse público – grupos representativos (trabalhadores)
Não são somente os pobres os excluídos dos processos de tomadas de decisões: meio ambiente, consumo.
3 - Solução mista
Advogados particulares mais advocacia pública.
C - Terceira onda – acesso à representação – novo enfoque de acesso à justiça
As soluções anteriores alteraram o equilíbrio formal.
Necessidade de tornar efetivos os novos direitos.

- Tendências no uso do enfoque do acesso à justiça
A - Reformas dos procedimentos judiciais
Oralidade, livre apreciação da prova, concentração do procedimento, contato imediato entre o juiz e as partes tornam o processo rápido, simples e barato.
França: eliminação das custas judiciais (menos honorários).
B - Métodos alternativos
1 - Juízo arbitral – decisão vinculante menos formal e mais barato.
2 - Conciliação – não há vencedor ou perdedor – bom para longos relacionamentos entre as partes.
3 - Incentivos econômicos  - o autor que não aceite a proposta razoável de conciliação deve pagar as custas de ambos.
C - Instituições e procedimentos especiais
Deve-se prover mais direitos substantivos aos mais fracos (consumidores, locatários, empregados, cidadãos contra o governo). O sistema deve ter baixo curso, informalidade e rapidez, julgadores ativos, capacidade para lidar com litígios de relacionamentos permanentes.
1 - Procedimentos especiais para pequenas causas
Juízes singulares, limitações à apelação, oralidade.
Acessibilidade geral – proibir representação por advogados – diminuir custos.
Manter aberto durante a noite.
Equalizar as partes
Reuniões prévias da corte. Funcionários para auxiliar as partes. 
Possibilidade de se tornarem cortes de cobrança – tentou-se excluir autores comerciantes.
Mudança no estilo dos árbitros – mais conciliador.
Simplificação das normas para tomada de decisão – equidade.
2 - Tribunais de vizinhança – solucionar divergências na comunidade.
Modelo socialista – maior poder (multar).
3 – Tribunais especiais para consumidores
Mais persuasão que coerção – imprensa.
Arbitragem – têm sido mantidos pelas empresas (ceticismo).
Fórmulas governamentais para proteção ao consumidor – entidades para receber as reclamações.
4 – Mecanismos especializados nos novos direitos
- Meio ambiente – comissões para solução de litígios que possuem técnicos especializados (Japão).
- Inquilinos e proprietários – funcionários especializados que buscam a conciliação ou realizam audiências (Canadá).
- Tribunal de Habitação – litígios como despejo. Auxiliam a conciliação (NY).
- Direito administrativo – Ombudsman de entidades ou órgãos governamentais.
- Trabalho – concentração na primeira instância, simplificação do procedimento, medidas para garantir o pagamento.
D – Mudança nos métodos para prestação dos serviços jurídicos
Tornar assistência jurídica de alta qualidade acessível a todos.
1 – Parajurídicos – funcionários treinados que auxiliam as partes (não são advogados).
2 – Convênios ou grupos para planos de assistência jurídica – distribuição dos riscos entre os que pagam a mensalidade.
Seguros abertos possibilitam a escolha do advogado (o que pode ser uma dificuldade).
Planos fechados especializados tendem a buscar a prevenção.
E – Simplificando o Direito
Ex. Reparação automática para consumidores sem necessidade de prova de mérito.

- Advertência final
Há países com dificuldade mais políticas do que judiciárias
Deve-se tomar cuidado na transposição de soluções no direito comparado.
A proliferação de tribunais pode dificultar o acesso, caso haja problemas de competência.
Não se pode perder as garantias fundamentais do processo civil – julgador imparcial e contraditório.
A justiça atual é lenta e cara. Deve-se evitar o oposto: que se torne um produto barato e de má qualidade.

A finalidade não é fazer uma justiça mais pobre e sim torná-la acessível a todos, inclusive aos pobres: igualdade efetiva.

download do livro
CAPPELLETTI, Mauro e Bryant Garth. Acesso à Justiça. Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.
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Porque não aplicar a prescrição trabalhista constitucional



O professor Souto Maior começa com alguns pressupostos:

Princípios do Direito do Trabalho:
- melhoria da condição social e econômica do trabalhador;
- preservação da dignidade humana;
- organização do modelo capitalista de produção (internacionalização – paz social).

Conceito de Direito do Trabalho:
- conjunto de princípios e regras que regula as relações de emprego, organizando o modelo de produção capitalista com vistas à melhoria da condição social e econômica dos trabalhadores.

Fundamenta na Constituição, com base, por exemplo, nos artigos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
        III - a dignidade da pessoa humana;
        IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

E, finalmente, o art. 7º:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
        I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
      XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.

Portanto, é preciso melhorar a vida dos trabalhadores para que o sistema capitalista funcione de maneira ótima. Quanto melhor a vida dos trabalhadores, melhor será o Capitalismo.
Dessa forma, é necessário que o Direito do Trabalho e os que com ele atuem, defendam os valores sociais do trabalho, a valorização do trabalho humano para que se satisfaçam os princípios constitucionais e as necessidades do sistema capitalista.

 De modo ordinário, a prescrição do inciso XXIX, do art. 7º da C.F. é utilizada da seguinte forma: serão 2 anos após o término do contrato de trabalho para se valer da ação quanto aos créditos trabalhistas. Os cinco anos do prazo prescricional são aplicados contando retroativamente da data da entrada da ação. Por exemplo: se a ação for proposta no limite do prazo de 2 anos, somente serão possíveis de serem cobrados créditos relativos a 3 anos de contrato de trabalho.

O art. 7º enumera os direitos dos trabalhadores, o que resulta em dois entendimentos alternativos quanto à questão da prescrição.

1 – A prescrição não seria em favor do devedor, no caso, a empresa que se portou de maneira irregular. Se a empregadora estivesse conforme as regras, não haveria créditos a haver. A prescrição seria então um direito do trabalhador e estando a seu favor, durante o prazo de 2 anos após o término do contrato de trabalho, a qualquer momento que se entrasse com a ação, poderiam ser cobrados créditos dos últimos 5 anos do contrato de trabalho.

Ou

2 – Na grande maioria dos casos, um trabalhador que precise de seu emprego não acionará o poder Judiciário enquanto estiver vinculado ao seu empregador, a não ser que deseje que se rompa este contrato, pois será demitido, ou sofrerá assédio até que peça demissão. Ele fica, então, 10,15 anos em seu emprego, e somente poderá reclamar créditos dos 5 últimos anos dessa relação.
Segundo o Souto Maior, o inciso I do art. 7º não possui eficácia de fato - apesar de, segundo algumas teorias constitucionalistas, ser uma norma de eficácia plena - no plano da vida real, é como se não existisse. Caso esse inciso fosse eficaz, o trabalhador poderia estar protegido face a uma despedida que se relacionasse a uma ação na Justiça contra seu empregador (reclamando 5 anos para trás de seu contrato de trabalho). Exemplificando: em 10 anos de relação empregatícia, poderia entrar 2 vezes, ou mais com pedidos à Justiça.

A eficácia do inciso XXIX está condicionada à eficácia do inciso I. Não sendo eficaz o inciso I, não será aplicada a prescrição de 5 anos do inciso XXIX.


(das aulas do professor Souto Maior)


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Estado Constitucional Democrático


Para se compreender o moderno conceito desse Estado Democrático de Direito adotado pela República brasileira no art. 1º da Constituição Federal, deve-se esclarecer os fundamentos de sua construção teórica examinando a sua evolução histórica.

Os Estados Modernos surgem na Europa por volta do séc. XVI e XVI, constituindo-se mediante unificação sob um poder centralizado (o soberano) em determinado território, delimitando, assim, os derradeiros momentos do modo de vida feudal.
Porém, é o instante seguinte, o da formação do Estado Democrático, que possui maior relação com o presente objeto de estudo. Surge da luta contra o Estado Absolutista, sendo denominado também de Estado Burguês. Com a influência de pensadores como Locke e Rousseau três grandes acontecimentos políticos foram determinantes para gênese desse Estado Democrático: a Revolução Inglesa e o Bill of Rights, de 1689; a Revolução Americana e a Declaração de Independência, de 1776; e a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

Na perspectiva das gerações dos direitos fundamentais, a ascensão do Estado Burguês é o momento da primeira geração: os direitos de liberdade, indispensáveis e universais aos homens. O Estado Liberal devia se abster de fazer, de intervir, e, portanto, não compreendia os aspectos de justiça social - as desigualdades intrínsecas ao Capitalismo não recebiam resposta adequada, gerando descontentamento das classes proletárias que poderiam culminar, e culminaram em movimentos revolucionários (China, Rússia). Como consequência dessa interação dialética, os Estados tendem para uma atuação intervencionista, com obrigações de fazer, como as políticas públicas para tentar estabelecer igualdade material. A segunda geração de direitos são os direitos sociais, ou os direitos de igualdade.

Apesar das garantias de segurança jurídica, de separação de poderes, da legalidade e dos direitos e liberdades fundamentais, o modelo liberal de Estado se mostrou insuficiente.
O Estado Democrático de Direito deve integrar e conciliar os valores da liberdade, da igualdade, da democracia e do socialismo. Em realidade, trata-se de uma superação do Estado Liberal, e, até mesmo, do Estado Social erigido pelo neocapitalismo. O Estado não deve somente conceder direitos e liberdades, mas deve também garanti-los.

O Estado Constitucional Democrático é, então, algo além do Estado de Direito. A Democracia não funciona apenas como freio ao poder, mas também o legitima. Há legitimação dos direitos fundamentais e dos processos legislativos e da dominação exercida pelo poder político. O princípio da soberania popular deve garantir a participação igualitária na formação da vontade popular. Essa soberania popular é o acréscimo que se faz ao Estado de Direito para que se chegue ao Estado Democrático de Direito.


Trecho da monografia de conclusão do curso de direito de Débora Regina da Silva Reis, (blog e site)

NUNES, António José Avelãs. Uma introdução à Economia Política. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 123-124.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral de Estado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 147.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 36ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 313-320.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito Constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco – 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 41-53.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Edições Almedina, 2003, p. 100.
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Dworkin VIII - O que é direito?


As decisões dos juízes criam efeitos profundos sobre a vida das pessoas. É um tanto quanto inexata a maneira como eles chegam às suas decisões. Alguns casos, como Brown vs. Board of Education (fim da segregação por raça em escolas), têm importância para toda a sociedade, pois no common Law, as decisões dos juízes tornam-se lei.
Para saber como os juízes decidem é preciso saber “o que é direito” para eles.
Uma questão essencial para se chegar a um discernimento sobre o papel dos juízes quando eles “criam ou descobrem direito” é suscitada pelo que Dworkin chama de “divergência teórica sobre o direito”, isto é, os fundamentos das proposições que tornam verdadeiras as novas decisões declaradas.

O entendimento de que o direito é uma simples questão de fato considera que o direito seja o que os legisladores e tribunais decidiram no passado: qualquer decisão que se tome neste ou naquele sentido também será direito; o direito é um fato histórico que independe do dever-ser; as controvérsias teóricas sobre o direito divergem naquilo que ele “deveria ser”, na moral e não no que é o direito. Para Dworkin, este entendimento (das teorias semânticas ou positivistas) é mais uma evasiva do que uma teoria do direito.

O caso Elmer: o filho mata o pai para receber a herança. As leis nada diziam sobre essa situação fática e o advogado do filho alegava que o testamento era claro (ao nomear o filho como sucessor) e que não se havia cometido nenhuma violação das leis sobre herança. Os juízes entraram em polêmica sobre a correta aplicação do direito. Entre a interpretação literal da lei e o seu confronto com os princípios gerais de direito deveria surgir a melhor interpretação (numa comparação com a literatura), a melhor decisão.

No caso snail darter, um peixe em extinção versus uma barragem em processo de finalização, o embate argumentativo se deu entre uma interpretação um tanto quanto literal da lei que protegia espécimes ameaçados e um sopesamento acerca do bom-senso em relação aos milhões já investidos na obra.

Nesses dois casos não houve divergências sobre fatos históricos ou sanidade dos congressistas ao promulgarem as leis. Houve discordância quanto ao significado da lei para a criação da norma jurídica específica.

A sra. McLoughlin teve um colapso nervoso ao ver o estado de seus parentes num hospital após um acidente de trânsito. Ela processou o motorista que causou o acidente pedindo indenização por danos morais. Os precedentes, porém, referiam-se a pessoas que estavam no acidente ou chegaram pouco depois do ocorrido. Era preciso decidir entre uma doutrina estrita ou uma doutrina atenuada do precedente. A recusa da indenização baseou-se, em certo momento, no argumento de que o reconhecimento desse direito incentivaria um número possivelmente excessivo de pessoas a entrar com ações similares. Em instância superior, essa decisão foi revogada por que utilizara uma argumentação errada para negar uma indenização meritória.

Brown vs. Board of Education: discutia se a segregação racial nas escolas feria a igualdade perante a lei. Em decisão anterior, a Suprema Corte decidiu que a segregação por si só não feria essa igualdade. Em momento posterior, essa segregação foi considerada como contrária a esse princípio de igualdade. Foi uma argumentação em torno dos fundamentos do direito constitucional.

Esses casos refutam a definição de direito como simples questão de fato, pois tratam de questões de direito e não de divergências teóricas que seriam ilusórias.

Surgem dificuldades devido à necessidade da definição da palavra direito, com Austin tentando explicar o seu “significado” e filósofos da linguagem descrevendo o “uso” dos conceitos. Dworkin considera que essas teorias são muito semelhantes.

As teorias do positivismo discutidas são: a de Austin, uma proposição jurídica é verdadeira se emanada do soberano; e de Hart, os fundamentos do direito estão na aceitação, pela comunidade, de uma regra de reconhecimento em relação ao ordenamento jurídico. De acordo com essas mesmas teorias semânticas, ao analisar os casos reais apresentados, aparentemente as instituições jurídicas precedentes não haviam decidido de maneira expressa, pois o direito aparentemente não estava claro, já que houve grande controvérsia posterior. Utilizam como argumentos teses como o do fingimento, da divergência verbal (sobre o significado da palavra “direito”) e do caso limítrofe.
Dworkin desconsidera essas teses e afirma que as discussões tratavam mesmo da essência do direito. Além disso, defende uma única proposição das teorias semânticas: advogados e juízes devem compartilhar critérios factuais sobre os fundamentos do direito, do contrário, não poderá haver discussão sobre o que é o direito.

(fichamento)
DWORKIN, Ronald, “O que é o direito?” in O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo, Revisão de Gildo Sá Leitão Rios, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2007, pp. 3-54.

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